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- 2º Grau
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Inteiro Teor
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
1600034-95.2012.8.12.0000
6 de novembro de 2012
3ª Câmara Cível
Apelação - Nº 1600034-95.2012.8.12.0000 - Glória de Dourados
Relator – Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson
Apelante : Estado - Estado de Mato Grosso do Sul
Procurador : Carlo Fabrizio Campanile Braga
Apelada : Cleuza Maria Matos Stefanello
Def.Pub.1ª Inst : Reginaldo Marinho da Silva
EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO –
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – FORNECIMENTO GRATUITO DE
MEDICAMENTOS – PORTADOR DE LUPUS ERIMATOSO SISTÊMICO –
MAB THERA (RITUXIMABE) – DIREITO SOCIAL – PRESCRIÇÃO
MÉDICA IDÔNEA – CONDIZENTE COM O TRATAMENTO – INDEVIDO
– RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS.
I - Todos tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o
estado atual da ciência médica, mormente quando se trata de patologia
gravíssima e o fármaco é imprescindível para ao seu tratamento. Precedente do
STJ.
II - O tratamento mais eficaz e eficiente, com o medicamento que
melhor atende às expectativas de sobrevida, também visa assegurar a dignidade
da pessoa humana.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 3ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas
taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso e ao reexame necessário,
nos termos do voto do Relator.
Campo Grande, 6 de novembro de 2012.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
1600034-95.2012.8.12.0000
R E L A T Ó R I O
O Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson.
Estado de Mato Grosso do Sul, inconformado com a sentença de
procedência do pedido (f. 106/109), proferida nos autos da ação de obrigação de fazer
ajuizada por Cleuza Maria Matos Stefanello , que determinou ao réu o fornecimento do
medicamento MAB THERA (rituximabe) 1000 mg para infusão imediata, seguido de
1000 mg para infusão após 14 dias, uma vez por ano, por tempo indeterminado, interpôs
recurso de apelação, objetivando a reforma do decisum.
Em suas razões recursais, aduz que compelir o Estado/sociedade a
custear tratamento que a ciência médica e farmacológica reputa como experimental e de
custo elevadíssimo não é razoável. Argumenta, ainda, que o Sistema Público de Saúde
possui tratamento do lúpus eritomatoso sistêmico com a disponibilização dos
medicamentos “Ciclosporina e Azatioprina”. Alega que não há comprovação de que os
medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde sejam ineficazes do caso da
apelada. Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do apelo.
A autora-apelada apresentou contrarrazões (f. 124/130), pleiteando a
manutenção da sentença recorrida.
V O T O
O Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson.
Presentes os pressupostos e condições recursais conheço do apelo
voluntário, e suscito de ofício o reexame necessário, passando à análise dos
fundamentos que permeiam este litígio.
O apelante aduz que compelir o Estado/sociedade a custear
tratamento que a ciência médica e farmacológica reputa como experimental e de custo
elevadíssimo não é razoável. Argumenta, ainda, que o Sistema Público de Saúde possui
tratamento do Lúpus eritomatoso sistêmico com a disponibilização dos medicamentos
“Ciclosporina e Azatioprina”. Alega que não há comprovação de que os medicamentos
fornecidos pelo Sistema Único de Saúde sejam ineficazes do caso da apelada.
Como bem analisado por José Afonso da Silva, ao comentar acerca do
direito à saúde, “é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida
humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de
informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos
significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento
condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua
situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas
constitucionais”. (SILVA, José Afonso da. Ibidem. p. 308. )
In casu, cuida-se de pedido de fornecimento do medicamento MAB
THERA (rituximabe) 1000 mg para infusão imediata, seguido de 1000mg para infusão
após 14 dias, uma vez por ano, por tempo indeterminado, para tratamento da patologia
lúpus erimatoso sistêmico, de que a autora-apelada é portadora, conforme prescrições
médicas encartadas nos autos.
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FL.
1600034-95.2012.8.12.0000
De acordo com o laudo médico apresentado nos autos (f. 102), a
autora é portadora da patologia lúpus erimatoso sistêmico e vinha utilizando as
medicações indicadas para a patologia há 15 anos, sem sucesso. Entretanto, o
medicamento MAB THERA, que não se encontra disponível na rede pública é único
que apresentou uma boa resposta clínica e laboratorial.
O perigo é latente, pois o tratamento deve ser contínuo, e a toda
evidência o não fornecimento dos remédios pode causar interrupção no tratamento com
risco de “alterações articulares nas mãos, punhos, coluna, vasculite, comprometimento
hematológico com leucopenia e anemia”, como se denota do laudo de f. 16.
Impõe-se, portanto, seja assegurado à autora o fornecimento da
medicação pretendida, porquanto cabalmente demonstrado, pelo material probatório
que o uso de tal medicação é medida imprescindível para o combate da crônica
enfermidade da qual é portadora, conforme se infere do teor do atestado médico
acostado aos autos (102).
Ademais, não se pode olvidar que o profissional médico que
acompanha seu paciente é o mais indicado a prescrever o tratamento e o medicamento
que entende ser indispensável para a recuperação da saúde do paciente, razão porque
não pode o Estado recusar-se a fornecê-lo sob o argumento de que deveria antes
consultar o SUS, ou se submeter à tratamento mais barato.
Ademais, cumpre registrar que o médico que consulta e acompanha o
paciente é que possui maior capacidade técnica para, avaliando as peculiaridades do
caso concreto, de acordo com o quadro clínico do doente, auferir se determinado
remédio é ou não o indicado para o diagnóstico apresentado.
É defeso ao Estado e também ao Poder Judiciário, avaliar e determinar
qual o tratamento se mostra mais adequado para o caso concreto, razão por que à
prescrição médica trazida pela parte autora deve ser dada mais credibilidade.
Nesse sentido, esta Corte já se pronunciou no julgamento da
Apelação Cível Nº 2011.037616-1/0000-00, de lavra do - Exmo. Sr. Des. Josué de
Oliveira, com o qual compartilho do entendimento:
E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE OBRIGAÇÃO
DE FAZER PRELIMINAR DIALETICIDADE REJEITADA
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DEVER DO ESTADO
RECURSO DESPROVIDO.
Tendo o apelante demonstrado satisfatoriamente as razões pelas
quais a decisão contra a qual se insurge é ilegal ou injusta, afasta-se a
preliminar de ofensa ao princípio da dialeticidade.
O Estado tem o dever constitucional de proporcionar assistência
médica ao cidadão que a necessite, sendo inadmissível o Poder Público
esquivar-se de sua obrigação, tendo em vista o estado clínico da apelada,
que necessita da medicação solicitada para ter melhor qualidade de vida.
Oportuno, nesse caso, transcrever trecho do referido acórdão:
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1600034-95.2012.8.12.0000
para a crise de saúde que embasa o pedido formulado.
Se o paciente confia sua saúde e vida a um facultativo, a quem está
acometido o dever profissional e moral de estabelecer os caminhos mais
adequados para a sustentação da vida, a manutenção ou recuperação da
saúde, a amenização da dor e do sofrimento, devem-se respeitar suas
prescrições farmacológicas.
O médico, em contato imediato com o paciente, atende a pessoa física
de acordo com suas necessidades etiológicas.
A Medicina, a seu turno, não é uma ciência exata.
Por isso, não é possível aferir, a priori, com certeza matemática, se
determinada proposta será ou não viável para assegurar a sobrevivência,
manter ou recuperar a saúde, aliviar a dor.
Os protocolos clínicos e os estudos científicos indicam direções
válidas a seguir, mas não garantem sucesso absoluto no combate à doença.
É natural, portanto, até mesmo esperável que haja diferentes pontosde-vista médicos acerca do melhor caminho para tratar os males que
afligem determinada pessoa.
Logo, se houver discordância entre diferentes médicos acerca do
tratamento a ser oferecido ao paciente, impõe-se respeitar aquele proposto
pelo facultativo que atende a pessoa, por ser o profissional encarregado de
oferecer-lhe as opções mais convenientes.
Ao Poder Público incumbe propiciar as condições para o tratamento
adequado, ainda que seja por meio de ordem judicial para que sejam
fornecidas as medicações prescritas pelo médico.”
No mesmo sentido, o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE
PÚBLICA. LINFOMA B DIFUSO DE GRANDE CÉLULA.
MEDICAMENTO NECESSÁRIO: MAB THERA (RITUXIMAB).
MANDADO DE SEGURANÇA C/C TUTELA ANTECIPADA. ORDEM
CONCEDIDA NA ORIGEM. GARANTIA CONSTITUCIONAL NA FORMA
DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. PRECEDENTES
DO STF E DESTA CORTE. RECURSOS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
SENTENÇA QUE SE CONFIRMA. 1. Reexame Necessário. Inteligência do
parágrafo 2º, do artigo 475, do CPC, acrescentado pela Lei n.º 10.352/01.
Não-conhecimento. 2. A União, Estado e Município são solidariamente
responsáveis pela prestação do direito à vida, que é obrigação do Estado,
em abstrato, desimportando qual a esfera de poder estatal que a realiza.
Não provimento. 3. No mérito, é consabido que a Saúde Pública é
obrigação do Estado em abstrato, desimportando qual a esfera de poder
que, efetivamente, a cumpre, pois a sociedade que contribui e tudo paga,
indistintamente, ao ente público que lhe exige tributos cada vez mais
crescentes, em todas e quaisquer esferas de poder estatal, sem que a cada
qual seja especificada a destinação desses recursos. Nesse contexto, o
direito à vida e o direito à saúde são direitos subjetivos inalienáveis,
constitucionalmente consagrados, cujo primado supera restrições legais.
Improvimento. 4. Cominação de multa diária à Fazenda Pública.
Impossibilidade. Posicionamento ressalvado. Improvimento. 5. REEXAME
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
1600034-95.2012.8.12.0000
NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.
RECURSO ADESIVO IMPROVIDO. (Apelação e Reexame Necessário Nº
70020141651, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Wellington Pacheco Barros, Julgado em 01/08/2007)
Vê-se, pois, que a autora-apelada, valendo-me das palavras de Afonso
da Silva, “tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da
ciência médica”, não se mostrando plausível submetê-la à tratamento anterior menos
eficaz, mormente quando se trata de patologia grave e o fármaco é imprescindível para o
seu tratamento.
Neste caso, não há dúvidas que o tratamento adequado da patologia
que acomete a autora, com o medicamento que melhor atende às expectativas de
sobrevivência, também visa assegurar a dignidade da pessoa humana, o que
possibilitará, em caso de sucesso, imensurável bem-estar futuro à paciente.
Portanto, a procedência do pedido autoral é medida que se impõe.
III Dispositivo
Ante todo o exposto, conheço do recurso voluntário do Estado de
Mato Grosso do Sul, bem como do reexame necessário e mas nego-lhes provimento.
D E C I S Ã O
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO E AO REEXAME NECESSÁRIO, NOS TERMOS DO VOTO DO
RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson
Relator, o Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Des. Marco André
Nogueira Hanson, Des. Oswaldo Rodrigues de Melo e Des. Fernando Mauro Moreira
Marinho.
Campo Grande, 06 de novembro de 2012.
mtfr