Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
0800125-47.2014.8.12.0029
30 de outubro de 2014
3ª Câmara Cível
Apelação - Nº 0800125-47.2014.8.12.0029 - Naviraí
Relator – Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson
Apelante : Município de Naviraí
Advogada : Katya Mayumi Nakamura Matsubara (OAB: 13027BM/S)
Apelado : Ministério Público Estadual
Promotor : Daniel Pívaro Standniky
Interessada : Sirlena Miranda
EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL DO MUNICÍPIO RÉU – AÇÃO
CIVIL PÚBLICA – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO –
TRATAMENTO DE PATOLOGIA PSÍQUICA – DIREITO SOCIAL –
PRESCRIÇÃO MÉDICA IDÔNEA – CONDIZENTE COM O
TRATAMENTO – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
I - Todos têm o direito a um tratamento condigno de acordo com o
estado atual da ciência médica, mormente quando se trata de patologia grave e
o fármaco é imprescindível para tratamento mais eficiente.
II - Comprovada a necessidade de utilização do medicamento e sendo
a portadora da enfermidade hipossuficiente financeiramente, sem condições
econômicas de suportar os custos do seu tratamento, devem os ente públicos
fornecê-lo, por força de ordem constitucional (art. 196 da CF). Precedentes do
TJMS e STJ.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 3ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos, por
unanimidade e com o parecer, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do
Relator.
Campo Grande, 30 de outubro de 2014.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
0800125-47.2014.8.12.0029
R E L A T Ó R I O
O Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson.
Município de Naviraí, inconformado com a sentença de procedência
proferida nos autos da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual,
que o condenou a fornecer à substituída Sirlena Miranda os medicamentos AMATO®
25mg (Topiramato) e ASSERT® 50mg (Sertralina), enquanto for necessário, conforme
prescrição médica (f. 77), interpôs recurso de apelação (f. 83-94).
Defende que exigir do Município o seu fornecimento seria exceder
suas forças, compelindo-o a entregar algo para o qual não existe receita a suportar seu
custo, prejudicando toda a sociedade.
Sustenta que a sentença viola o princípio da isonomia e, ainda, da
reserva do possível, alegando que os direitos sociais devem ser efetivados dentro das
medidas econômicas do Estado, devendo levar em consideração as questões
orçamentárias, sem prejuízo da análise do juízo de conveniência e oportunidade.
Prequestiona a matéria em questão.
Requer o conhecimento e provimento do recurso, com a reforma da
sentença recorrida.
A parte apelada apresentou contrarrazões (f. 99-102), pleiteando a
manutenção da sentença recorrida.
A PGJ manifestou nos autos (f. 111-118), opinando pelo afastamento
das preliminares e pelo improvimento do recurso, com a manutenção da sentença
recorrida.
V O T O
O Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson. (Relator)
Trata-se de recurso de apelação em face de sentença de procedência
proferida nos autos da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual em
face do Município de Naviraí, que condenou este último a fornecer à substituída
Sirlena Miranda os medicamentos AMATO® 25mg (Topiramato) e ASSERT® 50mg
(Sertralina), enquanto for necessário, conforme prescrição médica (f. 77).
Presentes os pressupostos e condições recursais, conheço do apelo,
passando à análise de seus fundamentos.
Responsabilidade do réu e a imprescindibilidade dos
medicamentos pleiteados
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
0800125-47.2014.8.12.0029
AMATO® 25mg (Topiramato) e ASSERT® 50mg (Sertralina), em razão de a
substituída ser portadora de Distimia (Transtorno Depressivo Crônico) e Estado de
Estresse Pós-Traumático, conforme bem esclarecido pelo documento de f. 29-30,
confeccionado pelo médico que acompanha a autora.
Referida doença exerce verdadeira e significativa instabilidade
sintomatológica, causando uma variedade de manifestações, com imprevisível mudança
de normalidade para uma crise aguda e vem sendo tratada pelo SUS.
Diante deste cenário, forçoso concluir que os medicamentos receitados
por especialista que acompanha o estado clínico da substituída é o indicado para a
patologia que a acomete.
O direito à saúde e à vida, garantidos constitucionalmente, não podem
ser condicionados à qualquer política econômica. Não pode, ainda, ser restringido o
acesso de qualquer cidadão à saúde sob argumentos meramente administrativos,
notadamente quando restou evidenciado que o tratamento de saúde reclamado ao Poder
Público fora indicado por médico do próprio SUS (f. 18-19).
Assim, não se pode negar vigência à norma constitucional que garante
o direito à saúde, mediante políticas sociais e econômicas, visando a redução do risco de
doenças ou de outros agravos, sob o argumento de que há política pública específica ao
tratamento da patologia de que é portadora a parte interessada nos autos.
Eventuais formalidades e previsões burocráticas, não podem
prevalecer em detrimento de um direito constitucionalmente garantido, conforme
reiteradamente vem se posicionando o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE.
FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. HEPATITE C. RESTRIÇÃO.
PORTARIA/MS N.º 863/02.
1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito
à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e
econômicas, propiciar aos necessitados não “qualquer tratamento”, mas o
tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior
dignidade e menor sofrimento.
2. O medicamento reclamado pela impetrante nesta sede recursal não
objetiva permitir-lhe, apenas, uma maior comodidade em seu tratamento. O
laudo médico, colacionado aos autos, sinaliza para uma resposta curativa e
terapêutica “comprovadamente mais eficaz”, além de propiciar ao paciente
uma redução dos efeitos colaterais. A substituição do medicamento
anteriormente utilizado não representa mero capricho da impetrante, mas
se apresenta como condição de sobrevivência diante da ineficácia da
terapêutica tradicional.
3. Assim sendo, uma simples restrição contida em norma de inferior
hierarquia (Portaria/MS n.º 863/02) não pode fazer tábula rasa do direito
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
0800125-47.2014.8.12.0029
constitucional à saúde e à vida, especialmente, diante da prova concreta
trazida aos autos pela impetrante e à mingua de qualquer comprovação por
parte do recorrido que venha a ilidir os fundamentos lançados no único
laudo médico anexado aos autos.
4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à
obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente ,
em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada
não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu
quadro clínico.
5. Recurso provido. (RMS n.º 17.903/MG, Órgão Julgador 2ª Turma,
Rel. Min. Castro Meira, DJU de 20 de setembro de 2004, p. 215).
As políticas públicas de saúde devem ser erigidas para ajudar a
sociedade e não para criar entraves ao tratamento digno de saúde
Neste caso, não há dúvidas de que o tratamento adequado da patologia
que acomete a autora, com o medicamento que melhor atende às expectativas de cura,
também visa assegurar a dignidade da pessoa humana, o que possibilitará, em caso de
sucesso, imensurável bem-estar futuro à paciente.
A propósito, denota-se que a CATES – Câmara Técnica em Saúde
opinou de forma favorável ao fornecimento dos medicamentos à substituída (f. 35-39).
Ademais, consta do documento de f. 29 que "a paciente fez uso de
Fluoxetina, que é fornecida pelo SUS, por um período de três anos, sem resultado
clínico".
Não se pode olvidar que a obrigação de fornecer gratuitamente
remédio potencializa-se quando o interessado é financeiramente hipossuficiente.
Cumpre assinalar, ainda, que não se pode condescender com o perigo
de a paciente, em estado de saúde já combalido, ter sua situação agravada em razão da
interrupção do tratamento médico a que vem sendo submetida, mormente quando está
sendo atendida pelo próprio SUS e o receituário fora subscrito por médico de tal
sistema.
Assim, levando em consideração a preservação dos bens maiores do
ser humano (a vida e a saúde), há de se afastar toda e qualquer postura tendente a negar
a consecução desses direitos, seja sob a sustentação de que se encontram hospedados em
normas de eficácia limitada, seja sob a fundamentação de que se deve ater à observância
de prévia dotação orçamentária, para o fim de assegurar o mínimo existencial, erigido
como um dos princípios fundamentais da Carta Magna de 1988 (artigo 1º, III, da CF).
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
0800125-47.2014.8.12.0029
fornecimento de medicamentos.
Importante frisar, a propósito, que efetivamente não cabe ao paciente a
escolha do melhor tratamento, mas sim aos profissionais da medicina e, de preferência,
àquele expert que acompanha as peculiaridades de cada paciente, receitando o
medicamento imprescindível para a melhora da patologia.
No caso, tendo em conta que a especialista que acompanha a
substituída é integrante do SUS, deve ser mantido o dever de fornecimento do
medicamento adequado.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça há muito firmou
entendimento no sentido de que cabe aos Entes Públicos fornecerem medicamentos às
pessoas hipossuficiente. Veja-se:
“PROCESSO CIVIL ADMINISTRATIVO RECURSO ESPECIAL
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO SÚMULAS 282/STF E 211/STJ
FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO IDOSO
LEGITIMIDADE PASSIVA SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS
(MUNICÍPIO, ESTADO E UNIÃO) ARTS. 196 6 E 198 8, § 1ºº, DA CF/88 8
PRECEDENTES DO STJ RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.
(...) 2. Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é
direito de todos e dever do Estado. Tal premissa impõe ao Estado a
obrigação de fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos
financeiros a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde.
(...)” (STJ, Resp n. 828.140-MT, Relatora Exma. Ministra Denise Arruda,
Primeira Turma, DJU. 23.04.2007)
Por isso, tendo em conta que o apelo do Município está em
dissonância com o entendimento firmado tanto neste Tribunal quanto nos Tribunais
Superiores, é de rigor negar provimento ao recurso, ratificando-se na íntegra a sentença.
Como bem analisado por José Afonso da Silva, ao comentar acerca do
direito à saúde, "é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida
humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de
informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos
significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento
condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua
situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas
constitucionais". 1
Portanto, a manutenção da sentença recorrida é medida que se impõe.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.
0800125-47.2014.8.12.0029
Prequestionamento
No que tange ao prequestionamento, entendo desnecessária
manifestação adicional a respeito de artigos de lei, uma vez que o presente acórdão
resolve integralmente e de forma fundamentada a matéria que interessa ao correto
julgamento da lide.
Veja-se, neste sentido:
“Quando o Superior Tribunal de Justiça exige como condição de
admissibilidade do recurso o prequestionamento, o faz para evitar que seja
ferida a garantia do duplo grau de jurisdição. Assim, a matéria deduzida
em recurso especial já deve ter passado pelo crivo do tribunal inferior.
Porém, tal não impõe que os julgadores tenham que fazer expressa
referência aos artigos que são do interesse das partes em questionar, o que
seria mais um entrave para a prestação jurisdicional que já não atende aos
justos reclamos sociais de celeridade” (ED n.º. 70000772947, TJRS Desa.
Genaceia Silva Alberton - julgado em 22/03/2000). (grifos meus)
Dispositivo
Ante o exposto, com o parecer da PGJ, conheço do recurso interposto
por Município de Naviraí , mas nego-lhe provimento, a fim de manter inalterada a
sentença recorrida.
D E C I S Ã O
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE E COM O PARECER, NEGARAM
PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson
Relator, o Exmo. Sr. Des. Marco André Nogueira Hanson.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Des. Marco André
Nogueira Hanson, Des. Eduardo Machado Rocha e Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.
Campo Grande, 30 de outubro de 2014.