3 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS - Habeas Corpus: HC 000XXXX-97.2012.8.12.0000 MS 000XXXX-97.2012.8.12.0000 - Inteiro Teor
Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1072
17 de dezembro de 2012
1ª Câmara Criminal
Habeas Corpus - Nº 0009873-97.2012.8.12.0000 - Três Lagoas
Relatora – Exma. Sra. Desª. Marilza Lúcia Fortes
Impetrante : Iraceno Teodoro Alves Neto
Impetrante : Rubens Baptista Filho
Impetrado : Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Três Lagoas
Pacientes : Iraceno Teodoro Alves Neto e Outro
Advogada : Patrícia Rocha
Outro nome : Carlos Antonio Mantovani
Outro nome : Durval Quijadas Aro Junior
Outro nome : José Carlos de Souza Prata Tibery
Outro nome : José Miguel Celestino
Outro nome : Márcio Moraes de Paiva
EMENTA – HABEAS CORPUS – INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ARGUIDA
PELA PGJ – ALEGADA REITERAÇÃO – ACOLHIDA – MÉRITO –
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DETERMINADA EXCLUSIVAMENTE
COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA – CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO – ORDEM CONCEDIDA.
Não se conhece da ordem, em relação a um dos pacientes, se
verificado se tratar de mera reiteração de pedido anteriormente julgado.
A interceptação telefônica é medida extrema e deve seguir os
requisitos da Lei n. 9.296/96.
No caso, apenas a denúncia anônima foi utilizada como base para
determinar a quebra de sigilo telefônico dos pacientes, o que não é admissível,
sendo as provas decorrentes dessas interceptações plenamente nulas.
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
Ordem concedida.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1073
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 1ª
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das
notas taquigráficas, por maioria, com o parecer, não conhecer da ordem em relação ao
paciente Ruben, nos termos do voto do 1º vogal (Desº Dorival), vencida a relatora (Desª
Marilza) que a conhecia e, por unanimidade, contra o parecer, conceder a ordem, nos
termos do voto da relatora (Desª Marilza).
Campo Grande, 17 de dezembro de 2012.
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia – Em substituição
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1074
R E L A T Ó R I O
A Sra. Desª. Maria Isabel de Matos Rocha.
Iraceno Teodoro Alves Neto e Rubens Baptista Filho, representados
por advogada, impetram ordem de habeas corpus, com pedido de liminar, apontando
como autoridade coatora o Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Três
Lagoas.
Os impetrantes afirmam, em apertada síntese, que sofrem
constrangimento ilegal porque foram denunciados em várias ações penais com base em
provas ilícitas, decorrentes do procedimento 021.07.000803-6.
Alegam que a investigação é nula, pois está lastreada em denúncia
anônima, bem como não havia elemento a justificar a interceptação telefônica e o juiz
não lançou motivação válida para autorizar e prorrogar as interceptações e, ainda, que as
prorrogações foram excessivas.
Ao final, requerem a concessão da ordem para que sejam declaradas
nulas as provas decorrentes do procedimento 021.07.000803-6, assim como aquelas
produzidas com base nele, e o desentranhamento delas das ações penais.
O pedido de liminar foi indeferido (f. 923-924).
Informações e documentos foram anexados às f. 929-943.
A Procuradoria-Geral de Justiça suscita preliminar de não
conhecimento em relação ao impetrante/paciente Rubens Baptista Filho e no mérito
opina pela denegação da ordem (f.947-953).
Iniciado o julgamento, f.967 e 968, o 1º vogal (Des. Dorival Moreira
dos Santos), converteu o julgamento do feito em diligência para que a autoridade tida
como coatora informasse “...sobre a primeira decisão que deferiu o pedido de
interceptação nos telefones dos pacientes, sobre quais processos que foram contra eles
movidos, em que fase se encontram, se eventual condenação foi baseada exclusivamente
em escutas telefônicas nos telefones dos pacientes e quais desses processos tiveram
como base o procedimento de nº 021.07.000803-6 e a indigitada interceptação
telefônica...”.
Cumprida tal diligência vieram os documentos às f.972-1.047.
Aberta novas vistas à PGJ, esta ratifica o Parecer Ministerial exarado
às f. 947-953 em todos seus termos.
V O T O ( E M 2 8 . 0 5 . 2 0 1 2 )
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1075
Trata-se de habeas corpus impetrado por Iraceno Teodoro Alves
Neto e Rubens Baptista Filho, representados pela advogada Patrícia Rocha, apontando
como autoridade coatora o Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Três
Lagoas.
Os impetrantes/pacientes alegam, em apertada síntese, que sofrem
constrangimento ilegal porque foram denunciados em várias ações penais com base em
provas ilícitas, decorrentes do procedimento 021.07.000803-6, na denominada Operação
“Xeque-Mate”.
Alegam que a investigação é nula, pois está lastreada em denúncia
anônima, bem como não havia elemento a justificar a interceptação telefônica e o juiz
não lançou motivação válida para autorizar e prorrogar as interceptações e, ainda, que as
prorrogações foram excessivas.
DA PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO EM
RELAÇÃO AO PACIENTE RUBENS BAPTISTA FILHO
A Procuradoria-Geral de Justiça suscita preliminar de não
conhecimento em relação ao impetrante/paciente Rubens Baptista Filho sob o
argumento de que se trata de reiteração de pedido anteriormente julgado no Habeas
Corpus n.º 2010.016238-7 .
Todavia, o Habeas Corpus supracitado, o qual teve a ordem
denegada em 20 de julho de 2010, o objeto era a alegação de nulidade da decisão que
deferiu as interceptações telefônicas por prazo superior ao disposto em lei (30 dias),
assim como as provas advindas da referida decisão.
Desse modo, como o presente mandamus diz respeito à tese de que
as interceptações telefônicas são nulas, pois foram baseadas em denúncia anônima,
assim como não havia elementos para justificá-las em face dos impetrantes/pacientes, e
o juiz não lançou motivação válida para autorizar e prorrogar as interceptações, afasto a
preliminar suscitada pela PGJ e conheço o habeas corpus em relação ao
impetrante/paciente Rubens Baptista Filho.
MÉRITO
Os impetrantes/pacientes aduzem que a investigação é nula uma vez
que foi baseada em denúncia anônima, bem como não havia elemento a justificar a
interceptação telefônica, nem motivação válida nas decisões que autorizaram e
renovaram a medida.
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FL.1076
de fuga qualificada e formação de quadrilha.
Verifica-se que o Ministério Público ingressou com o pedido de
interceptação telefônica em 14/09/2006, sendo o pedido deferido pelo juízo da 2ª Vara
Criminal da Comarca de Três Lagoas em decisão fundamentada prolatada em
18/09/2006, a qual determinou que a condução da interceptação telefônica fosse
realizada pela Polícia Federal (f. 194-197).
Assim, primeiramente o Ministério Público, baseado em documentos
e elementos ingressou com pedido de interceptação telefônica de vários policiais civis,
que por meio de uma organização criminosa, estariam praticando vários crimes
(formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes, peculato, tráfico de influência e
facilitação de fuga qualificada) (f. 69-74) o que foi deferido pelo juízo em decisão
fundamentada.
Destarte, no início os impetrantes/pacientes não constavam no rol
dos policiais interceptados, no entanto, foi recebida denúncia anônima pela Polícia
Federal de que havia outros policiais civis, dentre eles os impetrantes/pacientes, que
estariam envolvidos na mesma organização criminosa.
Pois bem. A representação da polícia federal em relação aos
impetrantes/pacientes se deu da seguinte forma (f. 199-202):
(...)
“Segundo denúncias recebidas na Delegacia de Polícia Federal de
Três Lagoas/MS e nesta Superintendência Regional de Polícia Federal de
Campo Grande/MS, prestadas por indivíduos que preferiram não se identificar
temendo 'represálias', os policiais civis (...) RUBENS BAPTISTA FILHO, (...) e
IRACENO TEODORO ALVES NETO estão envolvidos com o tráfico ilícito de
entorpecentes na região de Três Lagoas/MS e estariam aproveitando das
prerrogativas dos respectivos cargos para garantir a continuidade da
atividade criminosa impunemente. A prova destas atividades ilícitas é
dificultada exatamente pelo fato dos envolvidos serem policiais que se omitem
na atividade de investigação policial e atuam na ocultação de provas e
intimidação de possíveis testemunhas. Por oportuno, cumpre destacar que,
exceto os srs. RUBENS, JOSÉ LOPES E IRACENO, os policiais civis supra
elencados já foram apontados pelo Ministério Público como prováveis
membros de quadrilha envolvida com tráfico de drogas, conforme autos do
Inquérito Policial nº 021.01.002409-4.”
Dessa forma, o juiz singular autorizou a medida sob o seguinte
fundamento (f. 199):
(...)
“Considerando que os representados são policiais civis, tem-se que
não há outro meio de se buscar prova das denunciadas atividades ilícitas, por
isso mesmo, os denunciantes buscam não se identificar.
Assim, nos termos da decisão lançada em 18.09.2006 (retro),
denunciado que os representados integram a mesma organização, por seus
fundamentos, autorizo a interceptação (...).”
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FL.1077
O artigo 2º da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996:
“ Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações
telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em
infração penal;
II a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo,
com pena de detenção.
(…).”
De fato, houve o deferimento da medida com base exclusivamente
em denúncia anônima, de maneira que não se encontravam presentes os indícios
razoáveis da autoria.
Assim, consoante jurisprudência dominante do Superior Tribunal de
Justiça a denúncia anônima não deve ser utilizada como único elemento para deflagrar a
instauração de inquérito policial ou interceptação telefônica, de maneira que a quebra de
sigilo telefônico baseada exclusivamente em denúncia anônima é plenamente nula.
Sobre a denúncia anônima para embasar a interceptação telefônica já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. FRAUDE EM PROCEDIMENTOS
LICITATÓRIOS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REQUERIDAS E
AUTORIZADAS COM BASE APENAS EM DENÚNCIA ANÔNIMA.
AUTORIDADE POLICIAL QUE NÃO REALIZA DILIGÊNCIAS PRÉVIAS
PARA A APURAÇÃO DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Esta Corte Superior de
Justiça, com supedâneo em entendimento adotado por maioria pelo Plenário
do Pretório Excelso nos autos do Inquérito n. 1957/PR, tem entendido que a
notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para
a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, prestandose, contudo, a embasar procedimentos investigatórios preliminares em busca
de indícios que corroborem as informações da fonte anônima, os quais tornam
legítima a persecução criminal estatal. 2. Na hipótese em apreço, conforme se
pode inferir dos documentos acostados ao mandamus, o Delegado Federal
que recebeu a delação anônima não teve a necessária cautela de efetuar
diligências preliminares, consistentes na averiguação da veracidade das
informações noticiadas, requerendo, desde logo, a interceptação telefônica
das pessoas apontadas na notitia criminis apresentada. 3. Se a denúncia
anônima não é considerada idônea, por si só, para embasar a deflagração de
procedimentos formais de investigação, com muito mais razão não se pode
admitir a sua utilização, desacompanhada de outros elementos de convicção,
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FL.1078
para fundamentar a quebra do sigilo telefônico. Precedentes .
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. ALEGADA AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL QUE AUTORIZOU A
MEDIDA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL QUE SE REPORTA A FATO
CRIMINOSO DIVERSO DO INVESTIGADO AO MOTIVAR A
IMPRESCINDIBILIDADE DA DILIGÊNCIA. ILEGALIDADE
CARACTERIZADA. 1. O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no
inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, e para que haja o seu
afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação
constitucional, precisa ser fundamentada (artigo 93, inciso IX, da Carta
Magna). 2. O artigo 5º da Lei nº 9.296/1996, ao tratar da manifestação
judicial sobre o pedido de interceptação telefônica, preceitua que "a decisão
será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de
execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias,
renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio
de prova". (...). ILICITUDE DA PROVA DECORRENTE DAS
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS.
IMPOSSIBILIDADE DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXISTÊNCIA
DE OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO DESVINCULADOS DA
PROVA ILÍCITA. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. 1. Em que pese não
ser lícita a prova obtida por meio das interceptações telefônicas realizadas,
não se mostra pertinente pedido de anulação das denúncias e dos atos a elas
posteriores, já que das informações prestadas pela autoridade apontada como
coatora, percebe-se que a acusação lastreou-se em outros elementos
probatórios que não possuem qualquer liame ou nexo de causalidade com a
quebra do sigilo telefônico reputada nula, de modo que não é possível
considerar-se ausente a falta de justa causa para a persecução criminal em
exame. 2. A corroborar a validade das demais provas contidas nos autos, e que
dão sustentação à peça vestibular e ao édito repressivo, o § 1º do artigo 157
do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008,
excepciona, em matéria de provas ilícitas, a adoção da teoria dos frutos da
árvore envenenada quando os demais elementos probatórios não estiverem
vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida. 3. Ordem parcialmente
concedida apenas para determinar o desentranhamento dos autos das provas
decorrentes das interceptações telefônicas autorizadas com base unicamente
em denúncia anônima , e deferidas mediante pronunciamentos judiciais não
fundamentados. (STJ; HC 117.437; Proc. 2008/0219216-2; AP; Quinta
Turma; Rel. Min. Jorge Mussi; Julg. 04/10/2011; DJE 20/10/2011)
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1079
HABEAS CORPUS. DENÚNCIA ANÔNIMA. QUEBRA DE SIGILO
TELEFÔNICO. MEDIDA DETERMINADA EXCLUSIVAMENTE COM BASE
NA INFORMAÇÃO APÓCRIFA. DILIGÊNCIAS PRELIMINARES NÃO
REALIZADAS. PACIENTE DENUNCIADO E CONDENADO COMO
INCURSO NO ART. 37 DA LEI Nº 11.343/06. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. ART. 5º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORDEM
CONCEDIDA. 1. Conforme entendimento desta Corte Superior de Justiça,
em razão da vedação constitucional ao anonimato, as informações de autoria
desconhecida não podem servir, por si sós, para embasar a interceptação
telefônica, a instauração de inquérito policial ou a deflagração de processo
criminal. Admite-se apenas que tais notícias levem à realização de
investigações preliminares pelos órgãos competentes. 2. Hipótese em que a
notícia anônima foi o único dado que serviu para embasar a interceptação
telefônica do paciente . O teor das conversas obtidas em dois dias de quebra de
sigilo resultou na prisão cautelar do paciente, na denúncia e na condenação
por crime outro que não o objeto inicial da investigação. 3. A mera juntada
aos autos dos dados pessoais do paciente, notadamente os constantes no banco
de dados do Departamento Nacional de Trânsito, não satisfaz a exigência de
investigação preliminar para fins de quebra do sigilo telefônico baseada em
informação anônima. 4. A interceptação telefônica fundada exclusivamente
em denúncia anônima é absolutamente nula, em razão da vedação
constitucional ao anonimato, consubstanciada no art. 5º, IV, da Carta
Magna. 5. Ordem concedida para declarar nula a prova resultante da
interceptação telefônica, com a consequente anulação da sentença
condenatória. Afastada a prova ilícita, deve o magistrado singular proferir
nova sentença, garantindo-se ao paciente o direito de aguardar em liberdade,
se por outro motivo não estiver preso. (STJ; HC 94.546; Proc. 2007/0269508-8; RJ; Sexta Turma; Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura; Julg.
18/11/2010; DJE 07/02/2011)
Diante do exposto, contra o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça,
afasto a liminar e, no mérito concedo a presente ordem de habeas corpus a fim de
declarar nulas as provas decorrentes das interceptações telefônicas autorizadas com base
em denúncia anônima, bem como as prorrogações decorrentes dela, e determinar que
sejam desentranhadas dos autos.
Em 28/05/2012: CONCLUSÃO DE JULGAMENTO ADIADA PARA A SESSÃO
DO DIA 02/07, FACE AO PEDIDO DE VISTA DO 1º VOGAL (DES. DORIVAL),
APÓS A RELATORA CONCEDER A ORDEM. O 2º VOGAL AGUARDA.
V O T O (EM 02.07.2012)
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1080
DA PRELIMINAR ARGUIDA PELA PGJ E CONVERSÃO EM
DILIGÊNCIA.
O presente habeas corpus foi impetrado em favor de Iraceno
Teodoro Alves Neto e Rubens Baptista Filho pretendendo:
"(...) seja reconhecida a imprestabilidade de toda a prova que
respalda a investigação obtida exclusivamente em razão de denuncia anônima,
declarando-se a nulidade de todo o procedimento maculado por derivação;
seja declaradas nulas todas as interceptações de comunicação telefônica dos
pacientes, por violação ao art. 5º, X, XII e LVI e art. 93, IX, da Constituição
Federal e arts. 5º e 6º, § 2º, da Lei nº 9262/06; seja determinada a exclusão
das ações penais de todas as referencias às interceptações telefônicas
pertinentes aos pacientes e ao resultado das mesmas, qual seja, resumos,
transcrições ou remissões às suas conversas interceptadas; seja ordenado o
desentranhamento dos autos de todos os elementos de convicção que tenham
sido concretamente descobertos em razão das interceptações telefônicas e,
subsidiariamente, sejam declarados nulos os monitoramentos que excederam o
período de 30 dias." (sic. fl. 01-24)
O pedido de liminar foi indeferido e foram solicitadas informações a
autoridade apontada como coatora, entretanto, o magistrado a quo limitou-se a juntar
cópias de outras decisões em que teriam sido deferidas interceptações telefônicas, não
juntando ou se manifestando acerca da decisão que teria primeiramente deferido o
pedido de interceptação telefônica nos telefones dos ora pacientes, ou seja, não se
manifestou justamente sobre a decisão atacada no presente writ.
1.1 Da preliminar arguida pela Procuradoria Geral de Justiça.
A Procuradoria-Geral de Justiça afirma que o presente habeas corpus
não deve ser conhecido em relação ao paciente Rubens Baptista Filho, pois ele já
impetrou o HC nº 2010.016238-7, também relatado pela Des. Marilza Lúcia Fortes,
sustentando constrangimento ilegal das interceptações telefonicas.
A e. Relatora afasta a referida preliminar, sob argumento de que no
habeas corpus nº 2010.016238-7, o objeto era a alegação de nulidade da decisão que
deferiu as interceptações telefônicas por prazo superior ao disposto em lei (30 dias) e, na
hipótese, a tese é de que as interceptações são nulas porque baseadas em denúncia
anônima.
Pois bem, a meu ver a preliminar merece acolhida, pois naquele writ
a Primeira Câmara Criminal decidiu pela legalidade do deferimento da medida de
interceptação telefônica, não só de suas prorrogações. Vejamos trecho do acórdão
proferido pela e. Relatora:
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1081
"(...) Depreende-se dos autos que o paciente na qualidade de policial
civil, juntamente com os corréus, também policiais civis, era investigado pelo
cometimento de vários crimes no exercício da função pública.
Nesse passo, o paciente integrava uma verdadeira organização
criminosa e, aproveitando-se das prerrogativas do cargo, garantia a
continuidade da atividade criminosa, omitindo-se na investigação de fatos
delituosos, ocultando provas e/ou intimidando testemunhas.
Verifico, inicialmente, que a medida não afronta o artigo 2º da Lei
n. 9.296, de 24 de julho de 1996:
“ Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações
telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em
infração penal;
II a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo,
com pena de detenção.
(…).”
Na ocasião do deferimento da medida, estavam presentes indícios
razoáveis da autoria; a prova não poderia ser realizada de outra forma, tendo
em vista que os investigados são policiais civis; e, o crime investigado prevê
pena de reclusão.
Compulsando os documentos que instruem a impetração,
impressiona o nível de organização da atividade criminosa, inclusive “[...]
'utilizando' de expediente junto ao Ministério Púbico para demonstrar 'poder
de comando' junto a um dos empresários que explora a atividade de 'caçaníquel”, supostamente resistente em pagar propina a alguns dos investigados,
policiais civis.” (f. 36-7). Percebe-se, ainda, a complexidade das condutas
delitivas perpetradas, a divisão de tarefas entre os co-autores e partícipes e,
enfim, o amplo potencial ofensivo das condutas descritas.
Por outro lado, dispõe o artigo 5º da Lei de Interceptação
Telefônica:
“ Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade,
indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder
o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a
indispensabilidade do meio de prova.”
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FL.1082
Extrai-se dos autos, em determinados momentos, a interceptação
telefônica não seguiu o prazo previsto no artigo 5º, segunda parte. Acontece,
não se pode perder de vista que tal fato ocorreu no bojo de uma complexa e
relevante investigação criminal que visava a desmantelar uma organizada
quadrilha encabeçada por policiais civis, os quais praticaram toda a sorte de
crime no exercício da função pública.
N a hipótese, constata-se um confronto entre os direitos à
privacidade e à segurança, ambos atribuídos aos seus titulares pela Lei
Maior (art. 5º, caput e X), porém a Constituição Federal não garante direitos
absolutos. Logo, a questão deve ser avaliada segundo os parâmetros de
razoabilidade e do interesse social na persecução criminal, especialmente em
se tratando de delitos cuja gravidade e nível de organização criam verdadeiros
obstáculos à apuração da responsabilidade dos agentes infratores.
Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, entre a
defesa da intimidade e da vida privada e o interesse social na apuração e
repressão de crimes graves, a defesa da intimidade e da vida privada devem
ceder, haja vista a repercussão desses crimes graves na reprodução da vida
social, como se extrai do Informativo n. 464, 23 a 27 de abril de 2007,
Brasília/DF, in verbis:
Inicialmente, afirmou-se que, na interpretação das normas contidas
no art. 5º, XII, da CF e no art. 1º da Lei 9.296/96, devem ser discernidos, à luz
dos valores nelas ponderados e tutelados, dois âmbitos semânticos: o da
produção da prova, inerente aos resultados documentais da interceptação, e o
do seu uso processual em sentido lato. Relativamente ao primeiro, ressaltou-se
que a restrição constitucional tem por escopo a preservação da intimidade
como bem jurídico privado, essencial à dignidade da pessoa, até o limite em
que esse valor, surgindo como óbice à repressão criminal, cede à manifesta
superioridade do interesse público na apuração e punição de crime grave
enquanto o mais conspícuo dos atentados às condições fundamentais da
subsistência da vida social. No que se refere ao segundo, asseverou-se caber
ao intérprete questionar a existência, ou não, de algum interesse público
transcendente que, ligando-se a conseqüências de outra qualificação jurídiconormativa do mesmo ato ilícito objeto da investigação criminal, deva
prevalecer, mais uma vez, na esfera ou na instância não penal competente,
sobre a garantia de uma intimidade já devassada, para o efeito de aplicar ao
autor daquele ato, por conta de sua simultânea ilicitude de outra ordem, a
sanção legal não penal que lhe convém ou corresponde, a título de resposta
estratégica do ordenamento, à violação de norma jurídica diversa.
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FL.1083
“HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA,
CONTRABANDO, FALSIFICAÇÃO DE PAPÉIS PÚBLICOS E LAVAGEM DE
DINHEIRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEVIDAMENTE
FUNDAMENTADA. MEDIDA INDISPENSÁVEL DIANTE DA EXTENSÃO,
INTENSIDADE E COMPLEXIDADE DAS CONDUTAS DELITIVAS
INVESTIGADAS E DO NÍVEL DE SOFISTICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA. DEFERIMENTO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
PELO PRAZO DE 30 DIAS CONSECUTIVOS. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTE DO STF . PRORROGAÇÕES INDISPENSÁVEIS À
CONTINUIDADE DAS INVESTIGAÇÕES. PARECER DO MPF PELA
DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. Ao que se tem dos autos, o paciente é acusado de fazer parte de
extensa quadrilha voltada para a prática de crimes, entre eles contrabando,
tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
2. Estando devidamente fundamentada a decisão que deferiu a
escuta telefônica, bem como a que determinou a sua prorrogação, por absoluta
necessidade da investigação, dada a quantidade de envolvidos e a
complexidade das suas atividades, não há qualquer nulidade a ser sanada em
Habeas Corpus.
3. Nos termos da Lei 9.296/96, que regulamentou a escuta telefônica
autorizada judicialmente, o prazo definido para a interceptação é de 15 dias,
permitida a renovação por igual período; todavia, não há qualquer restrição
legal ao número de vezes em que pode ocorrer essa renovação, desde que
comprovada a sua necessidade, bem como admite-se, diante das
especificidades do caso, a autorização desde o começo pelo prazo de 30 dias.
Precedente do STF .
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial.”
Portanto, a convicção do magistrado sobre o envolvimento do
paciente na prática de ilícito penal, somado à extrema complexidade da
organização, podem justificar, neste caso excepcional, a fixação de um prazo
de interceptação telefônica superior ao patamar legal. O que se deve levar em
conta, é a necessidade de fundamentação adequada e pertinente.
Finalmente, ainda que a regra geral deva ser o cumprimento literal
da norma, vejo como justificada tal decisão, excepcionalmente.
Diante do exposto, com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça,
denego a presente ordem de habeas corpus." – destaquei.
Assim, entendo que a questão da legalidade das interceptações
telefonicas, em relação ao paciente Rubens, já foi analisada por esta Câmara, não
devendo ser conhecido o presente writ em relação a ele, ou seja, voto pelo acolhimento
da preliminar arguida pela Procuradoria de Justiça.
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No mérito , a Relatora concede a ordem sob argumento de que o
deferimento da medida de interceptação telefônica se deu com base exclusivamente em
denuncia anônima, de maneira que não se encontravam presentes os indícios razoáveis
da autoria. A ordem foi concedida para declarar nulas as provas decorrentes das
interceptações telefônicas autorizadas com base em denúncia anônima, bem como as
prorrogações decorrentes dela, e determinar que sejam desentranhadas dos autos.
Desse modo, tendo em vista que foram consideradas necessárias
para o julgamento do presente writ as informações da autoridade apontada como coatora
(decisão de 923-925) e que essas não foram devidamente prestadas, entendo pela
conversão do julgamento em diligência.
A autoridade apontada como coatora deve prestar esclarecimento
sobre a decisão que deferiu o pedido de interceptação telefônica nos telefones dos
pacientes; acerca de quais as ações movidas contra eles e quais dessas teriam como base
suposta denúncia anônima e/ou a mencionada interceptação telefônica.
Essas informações são necessárias a fim de evitar a concessão de
verdadeiro salvo conduto, determinando-se a nulidade de toda prova decorrente de
interceptação telefônica constituída em desfavor dos apelantes em quaisquer processos
que façam parte.
É bem verdade que poderia ter sido determinado a emenda a inicial,
nos termos do art. 439 do Regimento Interno deste Tribunal 1 , entretanto, tal providência
não foi tomada, sendo inviável julgar com segurança sem as devidas informações a
serem prestadas pela autoridade coatora.
Assim, constatada a ausência de informações suficientes para a
análise do pedido trazido a exame, de modo a permitir um julgamento seguro,
entendo pela conversão do julgamento em diligência, para que a autoridade
coatora manifeste-se sobre a primeira decisão que deferiu o pedido de
interceptação nos telefones dos pacientes, sobre quais processos que foram contra
eles movidos, em que fase se encontram, se eventual condenação foi baseada
exclusivamente em escutas telefônicas nos telefones dos pacientes e quais desses
processos tiveram como base o procedimento de nº 021.07.000803-6 e a indigitada
interceptação telefônica.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1085
DECISÃO DO DIA 02/07/2012: CONCLUSÃO DE
JULGAMENTO ADIADA EM FACE DO PEDIDO DE VISTA DO 2º VOGAL,
APÓS A RELATORA AFASTAR A PRELIMINAR ARGUIDA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO E, NO MÉRITO, CONCEDER A ORDEM. O 1º VOGAL ACOLHEU A
PRELIMINAR ARGUIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE NÃO
CONHECIMENTO DA ORDEM QUANTO AO PACIENTE R. B. F. E CONVERTEU
O JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA.
V O T O (EM 09/07/2012)
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia (2º Vogal)
Após ouvir atentamente os votos dos eminentes Relator e Vogal,
decidi pedir vista deste writ para melhor avaliar os argumentos nele trazidos.
Pois bem. No que se refere à prefacial suscitada pela Procuradoria-Geral de Justiça, em não se conhecer do Habeas Corpus com relação a Rubens Baptista
Filho, devo, desde já, acompanhando o voto do Des. Dorival Moreira dos Santos, acolhêla.
Isso porque, como bem detalhou o e. Vogal em seu voto, o referido
paciente já houvera impetrado anterior Habeas Corpus, registrado sob o nº.
2010.016238-7, na ocasião também relatado pela e. Des. Marilza Lúcia Fortes, alegando
a nulidade da decisão que deferira a interceptação telefônica, em razão do prazo ter sido
superior ao disposto em lei (30 dias), bem como porque fora baseada em denúncia
anônima.
No julgamento desse writ, conforme decidiu a 1ª Câmara Criminal, a
medida de interceptação telefônica foi considerada legal, não se acolhendo a nulidade
suscitada, razão pela qual, voto pelo acolhimento da preliminar arguida pela
Procuradoria-Geral de Justiça, não conhecendo do presente writ com relação a Rubens
Baptista Filho.
No que tange ao mérito, como bem anotou o Des. Dorival em seu
voto, é necessária a conversão do julgamento em diligências, isso porque, a autoridade
apontada como coatora, ao prestar as informações necessárias para melhor avaliar-se as
questões trazidas à lume, não esclareceu quais foram os fundamentos que a levaram a
deferir o pedido de interceptação telefônica dos pacientes.
Ademais, deixou o magistrado a quo de apontar as ações movidas
contra os pacientes e, ainda, quais delas teriam sido decorrentes das interceptações
telefônicas após o recebimento das supostas denúncias anônimas.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1086
nulidade, acompanho o e. Des. Dorival Moreira dos Santos e converto o feito em
diligência para que a autoridade coatora preste esclarecimentos acerca da primeira
decisão que deferiu o pedido de interceptação nos telefones dos pacientes, bem como
informe em que fase se encontram os processos contra eles movidos; se eventuais
condenações foram baseadas exclusivamente em escutas telefônicas; e, por fim, quais
os processos que tiveram como base o procedimento de nº. 021.07.000803-6 e a
indigitada interceptação telefônica.
DECISÃO DO DIA 09/07/2012: POR MAIORIA, NÃO
CONHECERAM DO PEDIDO DE R.B.F. POR MAIORIA, VENCIDA A
RELATORA, CONVERTERAM O FEITO EM DILIGÊNCIA PARA QUE A
AUTORIDADE COATORA SE MANIFESTE SOBRE O DETERMINADO NO
VOTO DO 1º VOGAL.
VOTO EM 10/12/2012:
O Sr. Des. Dorival Moreira dos Santos (1º Vogal)
DO MÉRITO
A presente irresignação restringe-se a alegação de ilegalidade das
interceptações telefônicas feitas em telefones dos pacientes, sob o argumento de que
foram originadas exclusivamente de denúncia anônima.
Das informações prestadas pelo magistrado da instância singela fica
evidente que as interceptações telefônicas efetivadas nos telefones dos pacientes
Iraceno Teodoro Alves e Rubens Baptista Filho - basearam-se, exclusivamente, em
denúncia anônima, sem amparo em qualquer outro indício do envolvimento deles nos
crimes que lhes estão sendo imputados. (fls. 972-974)
Na representação pela quebra de sigilo telefônico o Delegado da
Policia Federal registrou que, segundo denúncias de pessoas que não quiseram se
identificar, vários policiais, entre eles os ora pacientes, estariam envolvidos com o
tráfico ilícito de entorpecentes na região de Três Lagoas/MS e estariam se aproveitando
das prerrogativas dos respectivos cargos para garantir a continuidade da atividade
criminosa. Nessa ocasião o Delegado, embora tenha afirmado que o Ministério Público
já estaria investigando o envolvimento dos policiais com o tráfico de drogas, esclareceu
que os ora pacientes Iraceno e Rubens - não faziam parte de tal investigação.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1087
“(...) A escuta telefônica, especificamente em relação aos pacientes
Rubens Batista Filho e Iraceno Teodoro Alves Neto foi deferida, na referida
data de 08 de janeiro de 2007, face a informação de integrarem a organização
criminosa composta por membros da polícia civil e a imprescindibilidade da
medida de escuta telefônica, como única forma de se obter prova em relação
às condutas dos representados, que por serem policiais os denunciantes, por
algum receio, não se identificaram.(...)”
Assim, vê-se que as interceptações telefônicas no caso em apreço
foram requeridas e autorizadas com base apenas em notitia criminis apócrifa, a qual não
foi sequer corroborada por diligências informais posteriores.
Registre-se que a ausência de outros indícios do envolvimento dos
pacientes com o tráfico ilícito de entorpecentes, além da denúncia anônima, fica
evidenciada no fato deles não estarem entre aqueles que já estavam sendo investigados
pelo Ministério Público, conforme afirmou o Delegado que requisitou a quebra de sigilo
e o próprio magistrado que a deferiu.
É inadmissível que o anonimato, per se, sirva para embasar
interceptação de comunicação telefônica; necessário que a denúncia anônima somem-se
quaisquer outros elementos que indiquem o envolvimento dos investigados com o
crime.
Na hipótese, conforme se pode inferir dos documentos acostados aos
autos, o Delegado Federal que recebeu a denúncia anônima não teve a necessária cautela
de efetuar diligências preliminares, consistentes na averiguação da veracidade das
informações noticiadas, requerendo, desde logo, a interceptação telefônica das pessoas
apontadas na notitia criminis apresentada.
De fato, não se pode aceitar que denúncia anônima, não corroborada
por quaisquer outros indícios do cometimento de crimes pelos pacientes, seja suficiente
para sustentar a restrição de direitos e garantias fundamentais, como a intimidade e a
privacidade, que constituem elemento essencial à conservação do Estado Democrático
de Direito.
A respeito, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Guilherme de
Souza Nucci:
"constituindo a interceptação telefônica um meio de invasão da
privacidade, não deve ser adotada como regra, mas como exceção", razão
pela qual "há duas hipóteses a considerar: a) se for bastante colher outras
provas diversas da interceptação telefônica, formando a materialidade da
infração penal e apontando a autoria, não há necessidade desse tipo de
violação da intimidade alheia; b) ainda que não existam outras provas, não é a
interceptação telefônica a primeira a ser realizada, pois o seu caráter é
subsidiário e não principal" (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 726/727).
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1088
A propósito colho precedente da Corte Superior de Justiça:
HABEAS CORPUS. FRAUDE EM PROCEDIMENTOS
LICITATÓRIOS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REQUERIDAS E
AUTORIZADAS COM BASE APENAS EM DENÚNCIA ANÔNIMA.
AUTORIDADE POLICIAL QUE NÃO REALIZA DILIGÊNCIAS PRÉVIAS
PARA A APURAÇÃO DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. Esta Corte Superior de Justiça, com supedâneo em
entendimento adotado por maioria pelo Plenário do Pretório Excelso nos
autos do Inquérito n. 1957/PR, tem entendido que a notícia anônima sobre
eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de
inquérito policial ou deflagração da ação penal, prestando-se, contudo, a
embasar procedimentos investigatórios preliminares em busca de indícios
que corroborem as informações da fonte anônima, os quais tornam legítima
a persecução criminal estatal.
2 . Na hipótese em apreço, conforme se pode inferir dos
documentos acostados ao mandamus, o Delegado Federal que recebeu a
delação anônima não teve a necessária cautela de efetuar diligências
preliminares, consistentes na averiguação da veracidade das informações
noticiadas, requerendo, desde logo, a interceptação telefônica das pessoas
apontadas na notitia criminis apresentada.
3. Se a denúncia anônima não é considerada idônea, por si só,
para embasar a deflagração de procedimentos formais de investigação, com
muito mais razão não se pode admitir a sua utilização, desacompanhada de
outros elementos de convicção, para fundamentar a quebra do sigilo
telefônico. Precedentes.
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. ALEGADA AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL QUE AUTORIZOU A
MEDIDA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL QUE SE REPORTA A FATO
CRIMINOSO DIVERSO DO INVESTIGADO AO MOTIVAR A
IMPRESCINDIBILIDADE DA DILIGÊNCIA. ILEGALIDADE
CARACTERIZADA.
1. O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no inciso XII
do artigo 5º da Constituição Federal, e para que haja o seu afastamento exigese ordem judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser
fundamentada (artigo 93, inciso IX, da Carta Magna).
2. O artigo 5º da Lei 9.296/1996, ao tratar da manifestação judicial
sobre o pedido de interceptação telefônica, preceitua que "a decisão será
fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução
da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por
igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova".
3. Na hipótese em apreço, muito embora se estivesse investigando a
possível prática de delitos por auditores fiscais que possuiriam um escritório
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1089
de contabilidade para o qual estariam direcionando, no exercício da função
pública, contribuintes que necessitavam de serviços para a solução de questões
atinentes ao Fisco, o magistrado de origem autorizou a interceptação para
monitorar terminais telefônicos que estariam sendo utilizados por investigados
que comercializariam ilegalmente ouro trazido da Guiana, circunstância que
revela a inidoneidade dos fundamentos da decisão que deferiu a medida.
4. Conquanto o Juiz Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do
Amapá tenha esclarecido que houve "erro na adaptação de uma decisão
anterior", o certo é que justamente na fundamentação de seu decisum apontou
fato supostamente típico que não guarda relação alguma com aquele que
estava sendo apurado, o que demonstra a inexistência de motivação do julgado
no que diz respeito à indispensabilidade da interceptação como meio de prova
no caso concreto.
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES
SUCESSIVAS. DILIGÊNCIAS QUE ULTRAPASSAM O LIMITE DE 30
(TRINTA) DIAS PREVISTO NO ARTIGO 5ºº DA LEI 9.296 6/1996.
POSSIBILIDADE DE VÁRIAS RENOVAÇÕES DESDE QUE AUTORIZADAS
POR DECISÕES MOTIVADAS. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA
NOS PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS QUE PERMITIRAM A
CONTINUIDADE DAS ESCUTAS.
1. Apesar de no artigo 5º da Lei 9.296/1996 se prever o prazo
máximo de 15 (quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por
mais 15 (quinze), não há qualquer restrição ao número de prorrogações
possíveis, exigindo-se apenas que haja decisão fundamentando a dilatação do
período. Doutrina. Precedentes.
2. Dos autos circunstanciados elaborados pela autoridade policial,
depreende-se que conquanto não existissem indícios mínimos da prática de
crimes, uma vez que os diálogos até então monitorados não teriam revelado a
ocorrência de infrações penais, foi requerida e autorizada judicialmente a
continuidade das interceptações telefônicas, o que revela o total desprezo ao
direito à privacidade individual, além da inobservância às formalidades
contidas no artigo 2º da Lei 9.296/1996, indispensáveis ao deferimento da
quebra de sigilo telefônico.
3. Ademais, a partir da sétima prorrogação das escutas, a
autoridade policial passou a fundamentar o seu requerimento em fato
criminoso completamente diferente do que motivou o início das investigações,
vale dizer, ao invés de apurar "um possível esquema criminoso no âmbito da
Receita Federal do Estado do Amapá" , passou a averiguar "um aparente
esquema de fraude no procedimento licitatório de aquisição de medicamentos
pelo Governo do Estado do Amapá".
4. Por sua vez, o magistrado federal continuou deferindo as quebras
de sigilo, ora considerando-as indispensáveis para a "continuidade das
investigações relativas à prática dos supostos crimes cometidos por auditores
fiscais da Secretaria da Receita Federal no Amapá", ora aduzido apenas que
as interceptações seriam "fundamentais para a continuidade das investigações,
que denotam o surgimento de diálogos suspeitos, cujo aprofundamento poderá
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1090
resultar em indícios de infração penal".
5. Assim, no caso dos autos o prolongamento da quebra do sigilo
telefônico também ocorreu sem a devida fundamentação, passando-se a
investigar fatos novos, completamente dissociados daqueles que
originariamente embasaram a medida, com o consequente oferecimento de
denúncia contra os pacientes e outros corréus pela suposta prática de fraudes
em licitações.
ILICITUDE DA PROVA DECORRENTE DAS INTERCEPTAÇÕES
TELEFÔNICAS. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE
DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXISTÊNCIA DE OUTROS
ELEMENTOS DE CONVICÇÃO DESVINCULADOS DA PROVA ILÍCITA.
CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.
1. Em que pese não ser lícita a prova obtida por meio das
interceptações telefônicas realizadas, não se mostra pertinente pedido de
anulação das denúncias e dos atos a elas posteriores, já que das informações
prestadas pela autoridade apontada como coatora, percebe-se que a acusação
lastreou-se em outros elementos probatórios que não possuem qualquer liame
ou nexo de causalidade com a quebra do sigilo telefônico reputada nula, de
modo que não é possível considerar-se ausente a falta de justa causa para a
persecução criminal em exame.
2. A corroborar a validade das demais provas contidas nos autos, e
que dão sustentação à peça vestibular e ao édito repressivo, o § 1º do artigo
157 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690/2008,
excepciona, em matéria de provas ilícitas, a adoção da teoria dos frutos da
árvore envenenada quando os demais elementos probatórios não estiverem
vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida.
3. Ordem parcialmente concedida apenas para determinar o
desentranhamento dos autos das provas decorrentes das interceptações
telefônicas autorizadas com base unicamente em denúncia anônima, e
deferidas mediante pronunciamentos judiciais não fundamentados.
( HC 117.437/AP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
julgado em 04/10/2011, DJe 20/10/2011)
Ademais, cabe mencionar, que o Juiz que permitiu a escuta
telefônica não motivou, adequada e suficientemente, a indispensabilidade da medida,
tendo se referido tão somente ao fato de os denunciados serem policiais, o que, em tese,
dificultaria a colheita de provas. Ora, a garantia constitucional das comunicações
telefônicas por certo também se estende aos policiais que, embora agentes da lei,
também são sujeitos de direitos.
Assim, por todo o exposto, acompanho a e. Relatora para conceder a
ordem e determinar o desentranhamento dos autos, em todos os processos instaurados
contra os pacientes, das provas decorrentes das interceptações telefônicas autorizadas
com base unicamente em denúncia anônima.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1091
DECISÃO DO DIA 10/12/2012: JULGAMENTO ADIADO FACE
AO PEDIDO DE VISTA DO DES. BRANDES, APÓS O DES. DORIVAL
CONCEDER A ORDEM.
VOTO EM 17/12/2012:
O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia. (2º Vogal)
Após ouvir atentamente o voto do Vogal, decidi pedir vista dos autos
para melhor me posicionar sobre a matéria.
Esclareço, de início, que de fato, participei do julgamento da
presente ordem.
O julgamento foi iniciado na sessão desta 1ª Câmara Criminal no dia
25/05/12, oportunidade em que a conclusão do julgamento foi adiada face ao pedido de
vista do 1º Vogal (Des. Dorival), após a Relatora Des. Marilza, conceder a ordem. O 2º
Vogal, Des. Gerardo, aguardava (f. 967).
Na próxima sessão ocorrida no dia 02/07/12, como o Des. Gerardo
estava de férias, passei a substituí-lo, tendo a conclusão do julgamento sido novamente
adiada face ao meu pedido de vista, após a Relatora afastar a preliminar arguida pelo
Ministério Público e, no mérito, conceder a ordem e o 1º Vogal (Des. Dorival) acolher a
preliminar de não conhecimento da ordem quanto ao paciente R. B. F. e converter o
julgamento em diligência (f. 968).
Em continuidade ao julgamento, na sessão realizada no dia 09/07/12,
por maioria, acolheram a preliminar de não conhecimento da ordem quanto ao paciente
R. B. F. (nos termos do voto do Des. Dorival, ficando vencida a Relatora nesta parte) e
converteram o julgamento do feito em diligência (f. 969).
Foram solicitadas as informações, as quais foram anexadas às f. 972-1047.
Cumprida a diligência, os autos voltaram conclusos para a Relatora,
que manteve integralmente seu o voto, voltando os autos para a pauta (f. 1049).
Em seguida, por um equívoco, os autos foram redistribuídos para a
Des. Maria Isabel, que abriu vistas dos autos à PGJ e, após, incluiu-os novamente em
pauta (f. 1067).
Como dito na sessão de julgamento ocorrida ontem (10/12/12), os
votos proferidos pela Relatora Des. Marilza devem ser mantidos, devendo, agora, ser
dada continuidade ao julgamento do mérito da ordem, com emissão dos votos dos
Vogais, Des. Dorival e Des. Brandes.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS
FL.1092
No mérito, a Des. Marilza e o Des. Dorival concedem a ordem.
Li os autos e diante das provas neles coletadas, acompanho o voto
da ilustre Desembargadora Relatora, com os mesmos fundamentos por ela
apresentados para também conceder a ordem , pois conforme constou em seu voto,
“consoante jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça a denúncia
anônima não deve ser utilizada como único elemento para deflagrar a instauração de
inquérito policial ou interceptação telefônica baseada exclusivamente em denúncia
anônima é plenamente nula”.
Portanto, em parte com o parecer e com a Relatora, não conheço da
presente ordem com relação ao paciente R. B. F. e, no mérito, concedo a ordem.
D E C I S Ã O
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR MAIORIA, COM O PARECER, NÃO CONHECERAM DA
ORDEM EM RELAÇÃO AO PACIENTE RUBEN, NOS TERMOS DO VOTO DO 1º
VOGAL (DES. DORIVAL), VENCIDA A RELATORA (DESª MARILZA) QUE A
CONHECIA E, POR UNANIMIDADE, CONTRA O PARECER, CONCEDERAM A
ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA (DESª MARILZA).
Presidência do Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.
Relator, o Exmo. Sr. Desª. Marilza Lúcia Fortes.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desª. Maria Isabel de
Matos Rocha, Des. João Carlos Brandes Garcia e Des. Dorival Moreira dos Santos.
Campo Grande, 17 de dezembro de 2012.
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