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- 2º Grau
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Inteiro Teor
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul
TJ-MS
FL. 281
2 de setembro de 2014
1ª Câmara Cível
Apelação - Nº 0016736-66.2012.8.12.0001 - Campo Grande
Relator – Exmo. Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran
Apelante : Gleidson Thiago Lisboa de Oliveira
Advogada : Amanda Vilela Pereira (OAB: 9714/MS)
Apelado : Ace Seguradora S/A
Advogado : Renato Tadeu Rondina Mandaliti (OAB: 115762/SP)
Advogada : Karina de Almeida Batistuci (OAB: 14008AM/S)
Advogada : Paola Ellys Martins Régis (OAB: 10731/MS)
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE
COBRANÇA – APÓLICE DE SEGURO DE VIDA – COBERTURA PARA
INVALIDEZ PERMANENTE PARCIAL DECORRENTE DE ACIDENTE –
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE MANEIRA MAIS BENÉFICA AO
CONSUMIDOR – PAGAMENTO CONFORME O MONTANTE PREVISTO
NA APÓLICE DO SEGURO – CORREÇÃO MONETÁRIA – EVENTO
DANOSO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REDIMENSIONADO –
CONDENAÇÃO DA APELADA NA INTEGRALIDADE DAS CUSTAS E
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ART. 20, CAPUT, DO CPC –
RECURSO PROVIDO.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a vontade
continua essencial à formação dos negócios jurídicos, mas sua importância e
força diminuíram, levando à relativização da noção de força obrigatória e
intangibilidade do conteúdo do contrato, conforme dispõem o artigo 6º, incisos
IV e V, e o artigo 51, do CDC, sendo, até mesmo, possível a modificação das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua
revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente
onerosas um dos direitos básicos do consumidor.
Deve-se aplicar a regra de interpretação mais favorável ao
consumidor (artigo 47, do CDC), sendo devido, no presente caso, o quantum
indenizatório, conforme as cláusulas da apólice do seguro contratado.
Segundo inteligência da Súmula 43 do Superior Tribunal de Justiça,
computa-se a correção monetária desde a data em que o segurado sofreu o
acidente de trânsito do qual lhe sobreveio a invalidez.
Em se tratando de sentença condenatória ao pagamento de quantia
inexpressiva, os honorários de advogado devem ser arbitrados mediante
apreciação equitativa do juiz, amparada nos critérios do § 3º do artigo 20 do
Código de Processo Civil - grau de zelo do profissional, lugar de prestação do
serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado e, ainda, tempo
exigido para o serviço - e no princípio da razoabilidade, de modo a remunerar
dignamente o profissional.
De acordo com o princípio da sucumbência, ao vencido no processo
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incumbe o pagamento das custas e honorários advocatícios, consoante
expressamente disposto no art. 20 do CPC.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 1ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 2 de setembro de 2014.
Des. Divoncir Schreiner Maran - Relator
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R E L A T Ó R I O
O Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran.
Gleidson Thiago Lisboa de Oliveira apela nos autos da Ação de
Cobrança ajuizada em face de Ace Seguradora S/A da sentença que julgou
parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial.
Alega, em síntese, que se não bastasse a comprovação inequívoca de
sua incapacidade permanente, o magistrado a quo fixou a indenização em apenas R$
4.200,26, bem aquém do valor do prêmio, aplicando, a desfundada tabela de percentuais
da Susep, quando o correto seria o arbitratamento do quantum no valor integral
segurado na apólice, no caso, R$ 10.000,00.
Afirma que referida tabela trata-se de documento unilateral na relação
contratual, desconhecendo-a, já que no momento do ajuste do negócio, no contrato não
havia qualquer previsão à respeito de sua incidência.
Esclarece e que diante de um contrato de adesão as cláusulas devem
ser claras ao estabelecer os direitos e deveres das partes, salientando ainda, que na
apólice não existe qualquer menção à aplicação da Tabela Susep, não podendo ser
utilizada como referência para indenização, sobe pena de ofensa ao princípio da boa-fé
objetiva.
Aduz que a incidência da correção monetária deverá incidir a partir da
data do acidente, época em que o pagamento do seguro deveria ter sido efetuado.
Alega também que os honorários advocatícios devem ser arbitrados
em 20 %, conforme o disposto no art. 20, § 3º do CPC.
Ao final, culmina por pedir o provimento do recurso nos termos de sua
irresignação.
Resposta do apelado às fl. 267/268v.
V O T O
O Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran. (Relator)
Do valor segurado
A questão cinge-se a possibilidade de ser majorada a indenização
decorrente de contratação de seguro de vida, firmado entre as partes, para que atinja
100% da apólice segurada, afastando-se a tabela de percentual segundo o grau da lesão,
em razão de o apelante ter sido vítima de acidente incapacitante.
Para tanto, alega o apelante que faz jus ao pagamento integral da
cobertura prevista na apólice de seguros para a modalidade de invalidez por acidente,
por restar comprovada nos autos sua incapacidade permanente decorrente de acidente de
trânsito.
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Pois bem, antes de mais nada, é importante esclarecer que a relação
jurídica material estabelecida entre as partes é de natureza tipicamente consumerista,
mormente porque o contrato é de adesão. Assim, as normas contidas no Código de
Defesa do Consumidor, sobretudo aquelas de proteção do consumidor hipossuficiente,
devem ser aplicadas ao caso concreto.
O contrato de seguro, assim, como todos aqueles alcançados e sujeitos
aos preceitos da Lei nº 8.078/90, deve ser interpretado de maneira mais favorável ao
No caso dos autos, o apelante aderiu a uma apólice de seguro de vida,
denominado "Help Hospitalar somente clientes vivo têm", com previsão de
responsabilidade pela seguradora ré, Ace Seguradora.
A apólice contém cobertura básica em caso de invalidez permanente
total ou parcial por acidente no valor de até R$ 10.000,00 (100% da apólice segurada).
Como dito acima, é incontroverso que o autor sofreu acidente de
trânsito, o que lhe acarretou sequela incapacitante do membro superior direito, conforme
laudo pericial acostado aos autos, encaixando-se na cobertura relativa a invalidez por
acidente (até R$ 44.032,59).
Portanto, a única questão controvertida entre as partes cinge-se em
saber se o pagamento do seguro deve ser integral ou parcial. Ou seja, cinge-se em
estabelecer se a Tabela da Superintendência de Seguros Privados (Susep), a qual
estabelece coberturas parciais e proporcionais de acordo com o grau de invalidez
permanente do segurado, é aplicável ou não.
No caso dos autos, verifica-se que o contrato de seguro entabulado
entre o autora-recorrente e a seguradora-recorrida previa a cobertura do seguro ao
condutor por invalidez permanente total ou parcial por acidente em R$ 10.000,00 (dez
mil reais), conforme proposta de adesão de f. 85-94, a qual não faz menção à incidência
de qualquer tabela da SUSEP.
Soma-se ao fato que o autor foi submetido à perícia médica, na qual
restou apurado ter sequelas de fratura no antebraço direito, o que lhe acarreta a invalidez
parcial e permanente (f. 116/124).
Sendo assim, resta devida ao autor, a indenização do seguro de vida
prevista em R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Veja-se que a apólice deve ser interpretada de maneira mais favorável
ao consumidor (artigo 47, do CDC) e, consequentemente, a incapacidade parcial e
permanente do segurado deve ser indenizada, privilegiando, assim, a boa-fé objetiva do
consumidor.
Assim, o montante indenizatório que deve ser pago é aquele
informado na apólice de seguro anexada à petição inicial, ou seja, a totalidade da
importância segurada para o caso de invalidez permanente total ou parcial por acidente,
sendo, portanto, inaplicáveis as reduções previstas nas tabelas da SUSEP.
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porque, não restou evidenciado que o contrato de seguro previa a incidência da tabela da
SUSEP para a fixação do valor do capital segurado.
Ademais, conforme as condições gerais do seguro (f. 85-97), inexiste
qualquer cláusula prevendo a redução do capital segurado, não havendo, portanto, que
se falar em redução proporcional.
Segundo Cláudia Lima Marques:
“O art. 47 do CDC representa, porém, uma evolução em relação a
essa norma e à do art. 112 do CC/2002 (antigo art. 85 do CC/1916), pois
beneficiará a todos os consumidores, em todos os contratos, de adesão ou
individualmente negociados, em todas as cláusulas, mesmo as claras e não
contraditórias, sendo que agora a vontade interna, a intenção não
declarada, nem sempre prevalecerá. Em outras palavras, é da interpretação
ativa do magistrado a favor do consumidor, se é ou não contraditória com
outras cláusulas do contrato?” 1
Tal determinação no sentido de se interpretar o contrato de forma
favorável ao consumidor somada ao fato de que o objetivo principal daquele que adere a
um seguro de vida é a garantia de uma segurança financeira em caso de perda das
capacidades funcionais, me faz concluir que a indenização mais justa é aquela constante
na apólice de seguro.
Da Correção Monetária
Com relação ao termo inicial para a incidência da correção monetária,
esta questão há muito já se encontra sedimentada na jurisprudência, no sentido que de
que sua incidência é a partir do evento danoso, ou seja, computa-se desde a data em que
o segurado sofreu o acidente de trânsito, isto é, desde quando lhe sobreveio a invalidez
permanente.
Inclusive a questão já foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça
sob o n. 43, com o seguinte verbete: “Incide a correção monetária sobre dívida por ato
ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”.
A propósito:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE COBRANÇA. S EGURO
OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
PROPRIETÁRIOS DE VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA
TERRESTRE (DPVAT) . RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DO
ACÓRDÃO. CPC, ART. 535. INOCORRÊNCIA. ACIDENTE CAUSADO
POR TRATOR. COBERTURA DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
SÚMULA N. 43/STJ . RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. JUROS
MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO.
(...)
IV. "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir
da data do efetivo prejuízo" - Súmula n. 43/STJ. (...) (STJ. REsp
665.282/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 15/12/2008) (g.n.)
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Assim, a correção monetária deve incindir a partir da data do evento
danoso, motivo por que deve ser reformada a sentença.
Dos Honorários Advocatícios
Quanto a fixação dos honorários advocatícios, entendo assistir razão à
apelante, porquanto realmente a quantia de 10% sobre o valor da condenação realmente
não remunerará dignamente os patronos da apelante.
Nesse contexto, nos termos do permissivo do artigo 20, § 3º, do
Código de Processo Civil, majoro o valor dos honorários advocatícios ao percentual de
20% sobre o valor da condenação.
Ônus sucumbenciais
Impende ressaltar, quanto aos ônus sucumbenciais, que a pretensão
deduzida na presente ação pelo autora/apelante foi totalmente provida.
As circunstâncias delineadas nos autos, mostram-se suficientes para
embasar a condenação integral da apelada ao pagamento das despesas sucumbenciais.
De acordo com o princípio da sucumbência, ao vencido no processo
incumbe o pagamento de tais verbas, consoante expressamente disposto no art. 20 do
CPC.
Percuciente, aliás, o julgado do ilustre Ministro Luiz Fux em análise
de caso semelhante:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 105, III, A E C.
ENERGIA ELÉTRICA. MAJORAÇÃO DE TARIFA. CONGELAMENTO DE
PREÇOS. PORTARIAS DNAEE 38/86 E 45/86. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA (ART. 21, DO CPC) NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE
DECAIMENTO DO PEDIDO DO AUTOR. 1. A sucumbência nos ônus
processuais origina-se da idéia de que "o vencedor da causa seja
reembolsado pelo vencido de todas as despesas que efetuou, incluindo as
taxas, as custas e os honorários advocatícios, estes fixados pelo juiz na
sua decisão ( ...)", e deve ser aferida à luz do êxito do autor na demanda.
(FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. V. I. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 464) 2. O artigo 21, do Código de Processo Civil, ao
dispor acerca da distribuição das custas e dos honorários advocatícios,
estabelece, verbis: Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e
vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados
entre eles os honorários e as despesas. Parágrafo único. Se um litigante
decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas
despesas e honorários. 3. Assim, verifica-se que, "se houver sucumbência
recíproca, os honorários e as despesas serão proporcionais, fazendo-se a
devida compensação" , sendo certo que, "se a sucumbência do litigante for
em parte mínima, entendendo esta como aquela que não pesasse
consideravelmente na condenação ou no proveito alcançado, o vencido
responde integralmente pelas despesas e honorários (art. 21, parágrafo
único)". (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil.
V. I. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 121) 4. In casu, cuida-se de ação
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condenatória objetivando o reconhecimento de ilegalidade da majoração na
tarifa de energia elétrica instituída pelas Portarias DNAEE 38/86 e 45/86,
constando do pedido, litteris (fl. 23, e-STJ): "(...) declarando a inexistência
de relação jurídica entre a autora e a União Federal face à ilegalidade
doas Portarias n.ºs 38/86 e 45/86 expedidos pelo DNAEE (Órgão da
Administração Direta responsável pela fixação das tarifas de energia
elétrica), condenar a co-Ré ELETROPAULO - Eletricidade de São Paulo
S.A. (isolada e/ou solidariamente à União Federal) a devolver
(ressarcir/reembolsar) as quantias pagas a maior desde a vigência dos
citados atos normativos, (...)" (grifo nosso)
5. Dessa sorte, o provimento parcial do apelo da concessionária de
energia elétrica, com a finalidade de "restringir o alcance da condenação,
de modo a abranger apenas as diferenças verificadas no período em que
vigoraram as Portarias DNAEE 36 e 45, de 1986, ou seja, de março a
novembro de 1986" (fl. 817, e-STJ) não importou decaimento do pedido do
autor, não havendo cogitar-se em sucumbência recíproca. 6. Recurso
especial conhecido e desprovido. (STJ, REsp 1200645 / SP, Ministro LUIZ
FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe 08/10/2010). (Destaquei).
Presente, destarte, a hipótese do 20, caput, do Código de Processo
Civil, que implica condenação, à integralidade, da ré apelada, ao pagamento das custas e
dos honorários advocatícios.
Isso posto, dou provimento ao recurso.
D E C I S Ã O
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO,
NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran
Relator, o Exmo. Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Des. Divoncir Schreiner
Maran, Des. Sérgio Fernandes Martins e Des. Marcelo Câmara Rasslan.
Campo Grande, 02 de setembro de 2014.