9.3.2004
Primeira Turma Cível
Agravo Regimental em Agravo - N. - Dourados.
Relator - Exmo. Sr. Des. Josué de Oliveira.
Agravante - Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato
- Grosso do Sul - CASSEMS.
Advogados - Wander Vasconcelos Galvão e outro.
Agravada - Alexia Fernandes de Oliveira repres. p/ pai Jackson Borges
- de Oliveira.
Def. Públ. - Salete de Fátima do Nascimento.
Proc. D. Públ. - Almir Silva Paixão.
RELATÓRIO
O Sr. Des. Josué de Oliveira
Nos autos do agravo de instrumento que a Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato Grosso do Sul CASSEMS interpôs em face da decisão do Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Dourados, proferida na Ação Declaratória nº 002.03.015441-5 movida por Alexia Fernandes de Oliveira, menor impúbere, representada por seu pai Jackson Borges de Oliveira, pela qual o magistrado acolheu pedido de antecipação de tutela, com vistas a declarar nula cláusula contratual e ou qualquer procedimento administrativo limitador do número de sessões fonoaudiológicas de que necessita a agravada, neguei seguimento ao recurso, por considerá-lo manifestamente improcedente e em confronto com a jurisprudência dominante deste e dos tribunais superiores.
Inconformada com esta minha decisão, a agravante apresentou recurso regimental.
Alega, em síntese, que a decisão monocrática não atentou para a real controvérsia dos autos, que é o direito líquido e certo da agravante em ver e ter resguardados os direitos de toda a coletividade e seus associados.
Acrescenta que no recurso se debate a impossibilidade e a não-obrigatoriedade do cumprimento ou cobertura de serviços não abrangidos pelas normas regimentais e estatutárias da recorrente, que é uma associação civil sem fins lucrativos, pelo modelo de autogestão.
Insiste que o vínculo existente entre a CASSEMS e seus associados não abrange relação de consumo, de sorte que todos os argumentos e fundamentos da decisão objurgada são inválidos.
Aduz que a Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos Privados de Saúde Suplementar) e as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar autorizam a restrição de atendimento médico aos associados da CASSEMS.
Refuta a aplicação do art. 423 do Código Civil (interpretação favorável ao aderente, na hipótese de cláusula ambígua), uma vez que a liberdade associativa está resguardada constitucionalmente, de forma clara, e não pode o associado, em manifesta colisão e afronta ao princípio da boa fé, impor à associação deveres que não constam de seus estatutos e regulamentos, por se tratar de norma cogente.
Acresce que a interpretação das cláusulas contratuais, de forma mais favorável ao aderente, prevista no art. 423 do Código Civil, merece ter sua exegese mitigada pelo art. 421 do mesmo diploma legal, o qual estabelece que a liberdade de contratar é exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Assinala que não existe perigo de dano iminente ou perigo de irreversibilidade, visto que a enfermidade da menor apresenta prognóstico lento e gradual.
Conclui, dizendo que o interesse coletivo dos associados sobrepõe-se ao interesse individual da agravada.
Pede a reconsideração do ato impugnado ou o provimento do recurso, com a reforma da decisão singular, para que seja revogada a decisão de primeira instância.
VOTO
O Sr. Des. Josué de Oliveira (Relator)
A recorrente não me convenceu da necessidade de alterar a decisão singular em que neguei seguimento ao agravo de instrumento, por manifesta improcedência e por estar em conflito com a jurisprudência dominante deste e dos tribunais superiores.
Ao indeferir o agravo de instrumento, deixei assentado, entre outros fundamentos:
Por tudo que se vê dos autos, num juízo e cognição sumária, a recorrente não tem mesmo direito à antecipação da tutela, uma vez que restaram preenchidos os requisitos legais [do art. 273 do CPC], na espécie.
A autora, atualmente com quatro anos, é portadora de deficiência auditiva neurosensorial em ambos os ouvidos e teve o seu tratamento interrompido pela requerida mesmo contra a indicação da fonaudióloga, com base na interpretação do regulamento do Plano de Saúde ao qual aderiu o seu genitor, na qualidade de servidor público.
Ora, por recomendação médica, o tratamento não pode ser interrompido, sob pena de não alcançar o resultado clínico esperado e mesmo haver perda auditiva neurosensorial da infante.
Não se desconhece a necessidade de regular os Planos de Saúde para o bom gerenciamento de seus recursos financeiros, mas não se concebe que o dependente do associado que recolhe em dia suas contribuições tenha o seu tratamento simplesmente interrompido.
A verossimilhança do alegado está respaldada pela existência, nos autos, de elementos probatórios inequívocos quanto à necessidade de tratamento da autora, cuja saúde é um bem indisponível garantido pela Constituição e que não pode ficar ao sabor da interpretação de cláusulas contratuais em detrimento do consumidor aderente.
O risco de dano irreparável, consistente no prejuízo à saúde da autora, em virtude da interrupção do tratamento, também restou satisfatoriamente demonstrado.
Em situações análogas, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
A regra do § 2o do art. 273 do CPC não impede o deferimento da antecipação da tutela quando a falta do imediato atendimento médico causará ao lesado dano também irreparável, ainda que exista o perigo da irreversibilidade do provimento antecipado. (Rec. Esp. Nº 417.005-SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 25.11.2002).
Plano de Saúde. Limitação de dias de internação. Inadmissibilidade. O fato de se tratar de uma associação não modifica a conclusão da abusividade. Recurso não-conhecido. (Rec. Esp. 254.467-SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 5.3.2001).
I É abusiva, nos termos da lei (CDC, art. 51-IV), a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que limita o tempo de internação do segurado. II Tem-se por abusiva a cláusula, no caso, notadamente em face da impossibilidade de previsão do tempo de cura, da irrazoabilidade da suspensão do tratamento indispensável, de vedação de restringir-se em contrato direitos fundamentais e da regra de sobredireito, contida no art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual, na aplicação da lei, o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. (Rec. Esp. Nº 251.024-SP, Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 2ª Seção, j. 27.9.2000, DJ 4.2.2002).
Ademais, a requerida não apontou, objetivamente, qual a lei ou a norma regulamentar que autoriza a restrição de atendimento médico aos associados.
O único documento contido nos autos, que se refere à limitação do número de sessões por beneficiários, é o OF/CASSEMS/Nº 310/03 (f. TJ- MS 61-62), endereçado aos fonaudiólogos credenciados, sendo que não existe prova de que o Conselho de Deliberação da CASSEMS tenha decidido a respeito, conforme noticiado no Ofício Cassems 310/2003, endereçado ao genitor da autora.
De acordo com o art. 423 do novo Código Civil, quando houver no contrato de adesão, cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar a interpretação mais favorável ao aderente, que na hipótese é o genitor da autora. (F. TJ-MS 287-289).
De acordo com a cópia do Ofício nº 051/02, anexada à f. TJ-MS 61, a ora agravante limitou o número de sessões fonoaudiológicas por beneficiário em 24 (vinte e quatro) sessões.
Entretanto, o Regulamento da CASSEMS, em seu item 13, que trata das limitações dos benefícios, não contempla as sessões fonoaudiológicas nas restrições de tratamento (f. TJ-MS 66), esclarecendo, porém, que se forem ultrapassando os limites, ficará a cargo da Auditoria Médica e ou da Diretoria Executiva, após análise, parecer e justificativa profissional, a liberação ou não de números maiores de procedimento.
Como se vê, a restrição de atendimento ao paciente beneficiário, mesmo que alcançasse a agravada, não consiste pura e simplesmente em interromper o tratamento, mas depende de decisões médico-operacionais que, ao que tudo indica, não foram tomadas pela CASSEMS.
Ao contrário do que afirma a recorrente, o vínculo existente entre a CASSEMS e seus associados abrange relação de consumo, como se infere do art. 30 da Lei 9.656/98 e do parágrafo único do art. 2o da própria Lei 8.078/90.
Mais uma vez, a recorrente não foi capaz de indicar, específica e objetivamente, qual o dispositivo da Lei 9.656/98 ou das normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar que autorizam a restrição do atendimento ao associado, em casos como o da agravante.
A função social do contrato não significa que o direito individual do associado permaneça a descoberto em função do bem coletivo ( sic ), como dá a entender a recorrente, de modo que não se admite que a entidade simplesmente interrompa o tratamento de um de seus associados em nome de regras burocráticas cegas.
Para essas hipóteses excepcionais, a entidade deve dispor de soluções excepcionais previstas em regulamento e que não estão sendo tomadas.
Igualmente é falaciosa a alegação de que inexiste perigo de dano, visto que o laudo audiológico de f. TJ-MS 52 indica a perda auditiva neurosensorial de grau moderadamente severo na orelha direita e de grau severo a profundo na orelha esquerda . (Destaquei).
Por qualquer ângulo que se examine o pleito da recorrente, não encontro respaldo para modificar o ato impugnado, o que ressalta a manifesta improcedência do recurso.
Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO REGIMENTAL.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Hildebrando Coelho Neto.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Josué de Oliveira.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Josué de Oliveira, Hildebrando Coelho Neto, Jorge Eustácio da Silva Frias e Ildeu de Souza Campos.
Campo Grande, 9 de março de 2004.
Primeira Turma Cível
ym
9.3.2004
Primeira Turma Cível
Agravo Regimental em Agravo - N. - Dourados.
Relator - Exmo. Sr. Des. Josué de Oliveira.
Agravante - Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato
- Grosso do Sul - CASSEMS.
Advogados - Wander Vasconcelos Galvão e outro.
Agravada - Alexia Fernandes de Oliveira repres. p/ pai Jackson Borges
- de Oliveira.
Def. Públ. - Salete de Fátima do Nascimento.
Proc. D. Públ. - Almir Silva Paixão.
E M E N T A AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DECLARATÓRIA INTERRUPÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO LIMITAÇÃO DE SESSÕES FONOAUDIOLÓGICAS DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA AGRAVO INDEFERIDO POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DECISÃO MANTIDA.
É manifestamente improcedente o agravo de instrumento interposto contra decisão que defere liminar de antecipação de tutela, por considerar abusiva a decisão do plano de saúde, seja ele particular, público ou de outra natureza, que limita o número de sessões de tratamento fonoaudiológico ao associado.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao regimental.
Campo Grande, 9 de março de 2004.
Des. Hildebrando Coelho Neto - Presidente
Des. Josué de Oliveira - Relator